De 2011 a 2014, do total das 504 denúncias, 213 informaram a religião atacada. Em 35% desses casos, trata-se de religiões de matriz africanaArquivo/Agência Brasil |
Agência Brasil
Em uma quarta-feira, por volta das 16h, o pai de santo
Sumbunanji de Kavungo, fazia, em frente à sua casa, no Recife, os rituais
tradicionais do candomblé. Oferecia a Exu, guardião dos caminhos e das
direções, água, farofa amarela e branca e ovos. Ali começou uma série de
agressões que culminaram em ameaças de morte ao religioso. Segundo ele, duas
mulheres passaram pelo local e associaram o ritual ao demônio. Nos dias
seguintes, o terreiro foi bombardeado duas vezes, e um cartaz com xingamentos
foi colocado na porta.
Embora sejam praticadas por 0,3% da população, de acordo com
o Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), as religiões
de origem africana são as que mais sofrem discriminação. De acordo com os dados
do Disque Direitos Humanos, o Disque 100, da Secretaria de Direitos Humanos da
Presidência da República (SDH), de 2011 a 2014, do total de 504 denúncias, 213
informaram a religião atacada. Em 35% desses casos, trata-se de religiões de
matriz africana.
"Eu perdi minha vida, minha paz, minha tranquilidade, meu
conforto, meu porto seguro. A residência é um local sagrado, é um espaço onde
estou todos os dias. Perdi minha liberdade de ir e vir, vivo aflito, oprimido e
perturbado com essa situação", diz o pai de santo. Os ataques começaram há
um mês e hoje, com medo de novas agressões, ele deixou o local e está na casa
de parentes.
A liberdade de crença é uma das garantias do Estatuto da
Igualdade Racial, Lei 12.288/2010, que completa cinco anos nesta segunda-feira
(20). A lei protege as religiões de matriz africana e os locais de culto.
Apesar do respaldo legal, organizações dizem que há cada vez mais casos de
violação desse direito.
Independentemente da religião, os dados mostram ainda que
negros são as maiores vítimas. De 2011 – quando o Disque 100 começou a receber
denúncias específicas de discriminação religiosa – a 2014, foram feitas 504
denúncias e 597 pessoas foram vítimas do preconceito, pois uma mesma denúncia
pode envolver mais de uma vítima. Entre as 345 vítimas que declararam a cor,
210 são pretas ou pardas. O número representa 35,2% do total de vítimas e 60,8%
do total de vítimas que declararam a cor de pele.
"O preconceito religioso é real, há discriminação
religiosa, mas há de se considerar a questão racial como processo que ainda
vigora no Brasil em relação a pretos e pardos", analisa o coordenador de
Segurança, Cidadania e Direitos Humanos, da SDH, Alexandre Brasil. "O
Disque 100 é um instrumento recente no Brasil e não representa todos os casos
de violação. Os dados são importantes para reconhecer e identificar as
violações. Eles mostram a presença de discriminação maior em relação às
religiões afro-brasileiras. Isso provavelmente é muito associado a questões de
racismo e mesmo à história da sociedade brasileira de negação dessa tradição
religiosa", acrescenta.
Evangélicos
Em segundo lugar no ranking da SDH, com 27% das denúncias com
identificação, está a religião evangélica, praticada, segundo o Censo, por
22,2% da população brasileira. O coordenador explica que o racismo está também
na discriminação contra os evangélicos. "A religião que tem mais negros e
pardos é a evangélica, em termos quantitativos. E é uma religião muito presente
entre os setores mais pobres e entre a população negra", diz. "A
intolerância religiosa pode ser entendida como a extrapolação de uma intolerância
maior existente no país, relacionada ao racismo, à pobreza e à desigualdade
social."
De acordo com Vera Baroni, da coordenação da Rede de Mulheres
de Terreiro de Pernambuco e da Articulação de Mulheres Negras Brasileiras, a
intolerância tem sido cada vez maior. "A não aceitação da diversidade
religiosa tem crescido muito. Aqui em Pernambuco não se pode usar alguns
símbolos das religiões de matriz africana, como se vestir de cor branca",
diz ela, que também faz parte do Fórum da Diversidade Religiosa em Pernambuco.
Segundo o coordenador da SDH, 14 estados têm algum colegiado
que debate com regularidade o tema da diversidade religiosa. A intenção é que
essa iniciativa se estenda a todo o país. Até o final do governo, de acordo com
o coordenador, a SDH pretende otimizar o Disque 100 e fortalecer uma rede
nacional envolvendo estados, municípios e organizações sociais, para acompanhar
essas denúncias e tomar as medidas cabíveis. A rede começa a ser configurada já
este ano.
Nenhum comentário:
Postar um comentário