Diferenças
salariais, maior presença em postos de trabalho precários, exclusão. O acesso e
a qualidade da permanência no mundo do trabalho são desafios enfrentados
cotidianamente pela população negra, que “vai de graça para o subemprego” e
acaba se tornando “a carne mais barata do mercado”, como denuncia a música A Carne, cantada por Elza Soares.
Para
quem sofre na pele a discriminação, práticas comuns, como a cobrança de fotos
nos currículos, acabam viabilizando essa seletividade que tem como recorte a
questão racial. “A sua competência ainda é exposta por meio de uma foto 3x4. E
a gente vive, nas entrevistas de emprego, a avaliação mais forte em dois
pontos: a cor da sua pele e o CEP [Código de Endereçamento Postal] da sua
casa”, opina Henrique QI, rapper,
educador social e morador do Recanto das Emas, no Distrito Federal.
A
situação é confirmada pela Pesquisa de Emprego e Desemprego (PED), divulgada
nesta semana pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos
Socioeconômicos (Dieese). Ela mostra que a desigualdade entre negros e não
negros diminuiu ao longo da última década, mas que o racismo nesse ambiente
persiste.
Produzido
por meio de convênio com a Fundação Seade, o Ministério do Trabalho e órgãos
parceiros no Distrito Federal e nas regiões metropolitanas de Belo Horizonte,
Fortaleza, Porto Alegre, do Recife, de Salvador e São Paulo, o estudo avalia
dados de 2013 e aponta que, na maior parte das cidades pesquisadas, as
disparidades permanecem maiores quando o assunto é remuneração ou qualidade do
trabalho.
Na
região metropolitana de São Paulo, por exemplo, o rendimento médio de negros
por hora (R$ 7,98) representou, em 2013, 65,3% do recebido por não negros (R$
12,22). O percentual era 54,6%, em 2002, e passou para 61,6%, em 2011, e para
63,4%, em 2012.
Embora
a diferença tenha diminuído, os negros seguem mais presentes do que os não
negros em ocupações não regulamentadas. Também existem mais negros entre
assalariados sem carteira de trabalho assinada no setor privado (9,2% negros e
8,7% não negros); entre trabalhadores autônomos (16,0% e 15,4%, respectivamente)
e entre empregados domésticos (9,7% e 5,1%, respectivamente).
A
supervisora da pesquisa, Lúcia Costa, destaca que as análises mostraram que os
negros são preteridos independentemente de sua qualificação. “Pelo simples fato
de terem uma aparência que identifica a origem africana, eles são preteridos no
momento da obtenção do trabalho. Eles também ocupam postos de trabalho de menor
prestígio e, com isso, têm menor renda. Por isso, as famílias têm menor
capacidade de garantir a escolaridade dos seus filhos. Assim, você mantém a
perpetuação da desigualdade”, explica.
Lúcia
considera que a redução das desigualdades no país provocou melhoras no mercado
de trabalho, quando se comparam os números coletados ao longo da última década.
Houve queda na diferença entre os rendimentos, os negros se posicionaram em
postos de melhor qualidade, como é o caso da indústria e do setor público, e a
diferença de taxas de desemprego diminuiu.
Esse
resultado está relacionado às políticas afirmativas que foram implementadas,
como as cotas raciais em universidades públicas e a reserva de 20% das vagas
nos concursos públicos que visam ao provimento de cargos efetivos e empregos
públicos no âmbito da Administração Pública federal, conforme o estudo. Para
que esse processo continue, na opinião de Lúcia, o país precisa ter decisão
política de acabar com o racismo.
Os
jovens são os que mais sofrem com a situação, de acordo com o coordenador do
Fórum Nacional da Juventude Negra, Elder Costa. “Além de você enfrentar um
problema histórico, que é o racismo contra os negros, você tem o problema da
exclusão em um país que não se preparou para receber esse contingente de
jovens, um país que não se preparou para construir oportunidades para a sua
juventude”. Por isso, o Movimento Negro tem demandado ações específicas de
acesso ao trabalho e à educação para a juventude negra.
Presidenta
do Conselho Nacional de Juventude e integrante da Secretaria Nacional de Juventude
da Presidência da República, Ângela Guimarães concorda que a situação está
relacionada ao racismo que, se é velado em diversas esferas da sociedade, “no
mundo do trabalho é completamente aberto. “Quem fica na frente do balcão, não
pode ser negro. Já no telemarketing, onde a face da pessoa não aparece, você
tem empregado jovens negros aos montes”, diz.
Ela
defende que, além das cotas, políticas públicas como o Projovem Trabalhador e o
Programa Nacional de Acesso ao Ensino Técnico e Emprego (Pronatec), têm buscado
mudar a situação e diminuir as desigualdades.
O
coordenador do Plano Juventude Viva pela Secretaria de Políticas de Promoção da
Igualdade Racial (Seppir), Felipe Freitas, também comemora as melhorias
ocorridas nos últimos anos, mas destaca que os jovens negros ainda são os que
mais sofrem com o desemprego, a qualidade do trabalho e as baixas remunerações.
Ele
lembra que a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio (Pnad) 2012 mostrou que
enquanto 2,6 milhões de jovens brancos estavam desempregados, eram 4 milhões de
negros nessa situação. Em relação à remuneração, 15% dos brancos recebiam menos
de um salário mínimo, percentual que chegava a 27,8% no caso dos negros.
Para
Freitas, a ampliação da escolarização e a adoção das cotas nos concursos públicos,
que pode induzir o setor privado a adotar política semelhante, são as duas
medidas mais importantes “na correção das desigualdades”.
“Você
colocou, por meio das cotas, no horizonte da juventude negra, algo que estava
totalmente distante, que era a inserção no ensino superior”, comenta Elder
Costa. Mas às conquistas elencadas, ele acrescenta outros desafios, como
garantir a permanência nas universidades e incluir conteúdos relacionados à
população negra. Além disso, aponta a importância da adoção de políticas
afirmativas também na pós-graduação, “que ainda é muito racista no Brasil”.
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