Denúncias se referem a fraudes nos
processos de seleção de organizações sociais, que permitiram o desvio de
recursos públicos
O Ministério Público Federal no Rio Grande do Norte (MPF/RN)
apresentou uma nova denúncia relativa às irregularidades descobertas pela
Operação Assepsia, que investigou ilegalidades cometidas na contratação da
Associação Marca pela Prefeitura do Natal, durante a gestão de Micarla de
Souza. Na denúncia, a ex-prefeita e outros 14 envolvidos são apontados como
responsáveis por crimes como fraude e dispensa indevida de licitação, além de
falsidade ideológica.
O esquema desbaratado pela Operação Assepsia funcionou de meados
de 2010 até 2012 e, além das fraudes em procedimentos licitatórios, foram
registradas diversos outros crimes que resultaram em quatro outras denúncias já
apresentadas pelo MPF à Justiça Federal.
A nova ação inclui entre os denunciados o marido da ex-prefeita,
Miguel Weber; o ex-secretário de Saúde Thiago Trindade; o procurador do
Município Alexandre Magno de Souza; e o empresário Tufi Soares Meres, citado
como líder do “braço empresarial” do esquema.
A denúncia assinada pelo procurador da República Fernando Rocha
descreve que as negociações entre o grupo ligado à Prefeitura e os envolvidos
ligados a Tufi Meres tiveram início antes mesmo da contratação da Marca,
selecionada pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS) para administrar os ambulatórios
médicos especializados (AMEs) de Nova Natal, Brasília Teimosa e Planalto, além
da unidade de pronto-atendimento (UPA) de Pajuçara.
Os dois processos de escolha, tanto para administração dos AMEs
quanto da UPA, apresentaram diversas irregularidades e foram direcionados para
a seleção da Marca, que repassava recursos do poder público a vários
envolvidos, através da subcontratação de empresas, e ainda preenchia vagas de
trabalho nas unidades de saúde com indicados da ex-prefeita, de secretários e
de políticos.
Terceirização -
Antes da seleção da Marca, a Prefeitura contratou a Fundação Getúlio Vargas
(FGV) para elaborar um “trabalho técnico” que resultou na indicação de um
modelo de gestão terceirizada de unidades de saúde. Leonardo Carap, coordenador
encarregado pela FGV dos trabalhos desenvolvidos em Natal, tornou-se o
principal elo entre Tufi Meres e o Município.
Carap chegava a enviar a Tufi Meres conteúdo de documentos e
estudos de caráter confidencial. Ele foi, ainda, o responsável pela ida de Thiago
Trindade, Alexandre Magno e Carlos Fernando Bacelar ao Rio de Janeiro, em
agosto de 2010, quando os representantes da SMS conheceram de perto o trabalho
da organização social e os demais integrantes do esquema, ligados ao grupo de
Tufi Meres.
Leonardo Carap era remunerado por seus serviços de “intermediação
de negócios” através de repasses da Salute Sociale (empresa do grupo de Tufi
Meres) para suas contas e de sua empresa: Qualimed Planejamento. De maio a
novembro de 2011 foram feitos repasses de R$ 321.099,43.
De acordo com o MPF, todo o trâmite do chamamento público que
resultou na contratação da Marca foi definido por Micarla de Souza e Miguel
Weber pelos menos dois meses antes da deflagração formal do processo e
antecipadamente noticiado a servidores (Thiago Trindade, Alexandre Magno,
Thobias Bruno e Carlos Bacelar) e particulares (Tufi Meres, Rosimar “Rose”
Bravo, Antônio Carlos Júnior, Jonei Lunkes e Leonardo Carap).
Contratação -
As negociações se concretizaram em outubro de 2010, com o processo de seleção
de uma organização para gerenciar os AMEs. Os termos do edital, bem como a
formação da comissão julgadora (composta por Carlos Fernando, Maria do Perpétuo
e Elizama Batista) foram definidos por Alexandre Magno e Jonei Lunkes, este um
“consultor” que trabalhava clandestinamente na SMS, sem vínculo formal,
recebendo R$ 22 mil mensais através de subcontratação à Marca.
Em e-mail enviado ao ex-secretário e a Annie Azevedo, Carlos
Bacelar e Rose Bravo, Alexandre Magno deixa claro o cronograma da seleção que
irá “oficializar” a contratação da Marca. Em 3 de setembro, mais de um mês
antes, ele já explica aos destinatários quais passos serão dados e detalha o
procedimento, chegando a esclarecer que “O pessoal do RJ seguiu para visitar as
unidades acima e deve retomar com relatório de custos”. No item “Outras
providências”, o procurador é ainda mais específico quanto às tarefas a serem
adotadas: “b. Qualificar a Marca”
A qualificação da Marca como organização social foi publicada em
14 de outubro de 2010. A ata da sessão que declarou a entidade vencedora da
chamada foi publicada dia 22, cinco dias úteis depois. Para o MPF, o prazo
reduzido só reforça o “jogo de cartas marcadas”. Maria do Perpétuo Socorro e a
servidora Elizama Batista, membros da comissão julgadora ao lado de Carlos
Fernando Bacelar, subscreverem a ata da sessão de 18 de outubro de 2010, que
nunca aconteceu.
Cerca de uma mês após ganhar o contrato dos AMEs, a SMS lançou
novo processo seletivo para entregar a uma OS a gestão da UPA de Pajuçara. O
edital e o termo de referência , publicados em novembro de 2010, foram
elaborados por Jonei, Alexandre e Thobias Gurgel. O Ipas “sagrou-se vencedor”,
mas decidiu “por motivos de força maior” desistir do contrato, cedendo espaço à
Marca.
“Não há como deixar de reconhecer que os agentes públicos
encarregados da condução da seleção (…) e os representantes da Marca combinaram
previamente o resultado do certame, inclusive ajustaram a desistência do
primeiro licitante convocado”, ressalta a ação do MPF.
Micarla de Souza –
Em mensagens trocados por Tufi Meres com seu “braço direito” Rose Bravo, o
empresário reconhece a necessidade de levar ao conhecimento do “marido”, forma
pela qual se referia a Miguel Weber, a ocorrência de atrasos nos pagamentos à
Marca. Na mensagem, ele afirma ser necessário Miguel saber que “as coisas não
andam conforme combinado por lá” e que os dois “comandados (Francisco de Assis
Rocha Viana e Antônio Luna, então gestores financeiros da SMS e da Secretaria
de Planejamento) estavam atrapalhando”.
A denúncia do MPF reforça que Micarla de Souza “ostentou efetiva
participação em todas as etapas da cadeia delitiva”, incluindo a contratação da
FGV; a indicação de apadrinhados políticos para ocupar postos de trabalho nas unidades
de saúde geridas pela Marca; até a negociação e definição de valores do
contrato de gestão hospitalar.
Para o MPF, na primeira fase do esquema a participação de Micarla
e Miguel Weber ocorreu de forma mais discreta, enquanto Thiago Trindade e Alexandre
Magno deliberavam na “linha de frente” com os representantes do grupo chefiado
por Tufi Meres. Porém, após a exoneração do secretário, em 2011, o casal
assumiu “as rédeas do negócio” e convocou Francisco de Assis Viana e Antônio
Carlos Luna para auxiliarem na continuidade do esquema instalado na SMS.
Em uma troca de e-mais com Miguel Weber, que sequer pertencia aos
quadros da Prefeitura, Tufi Meres envia a ele uma lista de pessoas contratadas
nas unidades administradas pela Marca, com o registro dos respectivos
“padrinhos” (políticos e secretários municipais em sua maioria) e a listagem
das vagas ainda abertas.
Miguel Weber explica que “gostaria que pudessemos participar desse
processo”, referindo-se a contratações e demissões nas unidades, e acrescenta:
“Inclusive eu preciso de mais uma vaga de enfermeira e dentista”. Já em
mensagem a Rose Bravo, Tufi Meres afirma sobre Miguel Weber: “Estamos lidando
com um crápula”.
As investigações apontaram que todas as negociações envolvendo a
contratação e os pagamentos da Marca passaram pelo crivo do casal Micarla e
Miguel Weber. O marido da ex-prefeita, em troca de mensagens, chega a indicar
valores e percentuais de ajuste dos contratos.
Envolvidos –
Além de tornar-se elo entre integrantes do esquema, Alexandre Magno elaborou a
lei permitindo a “qualificação de entidades sem fins lucrativos como
organizações sociais” e “pavimentou caminhos e conferiu blindagem jurídica para
que empresas privadas, utilizando-se da roupagem de organização social,
firmassem contratos de gestão (…)e efetuassem desvio de verbas”.
O procurador do Município e Thiago Trindade indicaram Thobias
Bruno Gurgel; Carlos Fernando Bacelar e Annie Azevedo Cunha para cargos de
chefia da SMS, para poderem auxiliar na montagem e funcionamento do esquema.
Eles deram suporte operacional, administrativo e gerencial. Do grupo de apoio a
Tufi Meres, além de Rose Bravo estão incluídos Mônica Nardelli e Antônio Carlos
Oliveira Júnior, o Maninho, esposo de Rose Bravo.
Além das penas referentes aos crimes específicos (ver lista
abaixo), o MPF requer para todos os denunciados a inabilitação para o exercício
de cargo ou função pública, eletivo ou de nomeação, pelo prazo de cinco anos. A
ação penal tramita na Justiça Federal sob o número 0003238-80.2014.4.05.8400.
Detalhamento das denúncias
Dispensa indevida de licitação (art 89 da Lei 8.666), fraude ao
caráter competitivo de procedimento licitatório (art 90 da Lei 8.666); e
falsidade ideológica (art 299 do Código Penal)
Micarla Araújo de Souza Weber; Miguel Henrique Oliveira Weber;
Thiago Barbosa Trindade; Alexandre Magno Alves de Souza; Thobias Bruno Tavares
Gurgel; Carlos Fernando Pimentel Bacelar Viana; Annie Azevedo Cunha Lima; Tufi
Soares Meres; Rosimar Gomes Bravo de Oliveira; Antônio Carlos de Oliveira
Júnior, “Maninho”; Leonardo Justin Carap; e Jonei Anderson Lunkes.
Dispensa indevida de licitação e falsidade ideológica
Mônica Simões Araújo e Nardelli.
Falsidade ideológica
Maria do Perpétuo Socorro Lima Nogueira; e Elizama Batista da
Costa.
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