O
Supremo Tribunal Federal (STF) começa a julgar hoje (19) a descriminalização do
porte de drogas para uso próprio. O julgamento estava previsto para ser
iniciado na semana passada, mas não entrou em pauta. A questão será julgada por
meio do recurso de preso, condenado a dois meses de prestação de serviços à
comunidade por porte de maconha. A droga foi encontrada na cela do detento. O
recurso é relatado pelo ministro Gilmar Mendes.
O
julgamento está previsto para começar às 14h e começará com a leitura do
relatório do processo. Em seguida, entidades favoráveis e contrárias à
descriminalização devem se manifestar, como o Movimento Viva Rio, o Instituto
Sou da Paz e a Associação dos Delegados de Polícia do Brasil (Adepol). Após as
sustentações orais, Mendes proferirá seu voto, e os demais ministros começam a
votar. O julgamento poderá ser adiado se um dos ministros pedir mais tempo para
analisar o processo.
No
recurso, a Defensoria Pública de São Paulo alega que o porte de drogas,
tipificado no Artigo 28 da Lei de Drogas (Lei 11.343/2006), não pode ser
configurado crime, por não gerar conduta lesiva a terceiros. Além disso, os
defensores alegam que a tipificação ofende os princípios constitucionais da
intimidade e da liberdade individual.
O
tema é polêmico. Ontem (18), entidades do setor médico divulgaram notas
favoráveis e contrárias à descriminalização. O manifesto Implicações da
Descriminalização do Uso de Drogas para a Saúde Pública, assinado por mais de
200 profissionais e pesquisadores da área de saúde, cita casos de diversos
países e analisa o uso das drogas sob o ponto de vista da medicina, da saúde
coletiva e das ciências sociais aplicadas à saúde.
Um
dos defensores da descriminalização é o presidente da Fundação Oswaldo Cruz
(Fiocruz), Paulo Gadelha. De acordo com ele, tratar o usuário de drogas
ilícitas como criminoso faz com que o problema não seja enfrentado
corretamente.
“Como
as drogas ilícitas estão em um circuito relacionado ao protecionismo, à
exclusão e repressão, elas geraram uma questão de comercialização que está
associado à violência do tráfico, discriminação à população mais vulnerável,
quase um genocídio que acontece em territórios ocupados pelo tráfico. Todos esses
componentes implicam problemas de saúde pública que devem ser tomados como
centrais”, afirmou.
Para
Gadelha, o usuário de drogas é vitimizado duas vezes, já que pode sofrer de um
problema de saúde, que é a dependência química, e é considerado criminoso por
isso. “Alguém que está sofrendo pelo uso de uma droga precisa ser acolhido,
precisa ser tratado, precisa ter uma sociedade que não o jogue na vala comum da
criminalidade. Você acha que alguém que é tachado de criminoso vai procurar o
serviço de saúde? Nunca”.
A
nota assinada pelos presidentes da Associação Brasileira de Psiquiatria, da
Federação Nacional dos Médicos, Associação Médica Brasileira e do Conselho
Federal de Medicina afirma que a descriminalização vai gerar aumento do
consumo, levando à multiplicação de usuários, à dependência química, ao aumento
de acidentes de trânsito, de homicídios e suicídios, além de fortalecer o
tráfico, aumentando a violência.
O
presidente da ABP, Antônio Geraldo da Silva, ressalta que as entidades
representam mais de 400 mil médicos do país. De acordo com ele, a categoria é
contra a facilitação de acesso a qualquer tipo de droga, seja ela legal ou
ilegal. "Somos contra toda e qualquer facilitação de uso de álcool,
cigarro e qualquer droga. O motivo é simples: essas substâncias provocam
doenças e, como médicos, nós temos que defender uma saúde pública adequada para
toda a população. Liberar essas substâncias é facilitar o aparecimento de
doenças em geral, inclusive as da mente.”
Ele
alerta que o julgamento não trata apenas de drogas consideradas menos nocivas,
como a maconha. “As pessoas não estão percebendo que o que está sendo votado é
a liberação de toda e qualquer droga, não é maconha pura e simplesmente. Se
tiver um voto favorável, isso é a liberação do porte de crack, de heroína,
cocaína, LSD. E se facilitar que as pessoas tenham acesso, nós vamos ter um
aumento muito grande de usuários e vai ser um caos na saúde pública.”
Segundo
o presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, em países como Portugal, onde houve um
processo de definição de quantidade para porte e a despenalização do uso de
drogas, não houve aumento de consumo. Mas, de acordo com Silva, os estudos em
Portugal mostram que o número de usuários no país passou de 8% para 16%.
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