Em 1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à escravidão e implantou medidas estruturais de combate ao problema |
Ivan Richard – Repórter da Agência Brasil
As
operações de fiscalização para combater o trabalho escravo ou análogo à
escravidão resgataram, em duas décadas, mais de 47 mil trabalhadores submetidos
a condições degradantes e a jornadas exaustivas em propriedade rurais e em
empresas localizadas nos centros urbanos.
De
acordo com dados da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho
Escravo, obtidos pela Agência
Brasil com
exclusividade, desde 1995, quando o país reformulou seu sistema de combate ao
trabalho escravo contemporâneo, foram realizadas 1.724 operações em 3.995
propriedades e aplicadas multas indenizatórias cujo valor supera os R$ 92
milhões.
Em
1995, o Brasil reconheceu a existência e a gravidade do trabalho análogo à
escravidão e implantou medidas estruturais de combate ao problema, como a
criação do Grupo de Fiscalização Móvel e a adoção de punições administrativas e
criminais a empresas e proprietários de terra flagrados cometendo esse crime. A
política também criou restrições econômicas a cadeias produtivas que
desrespeitam o direito de ir e vir e submetem trabalhadores a condições de
trabalho desumanas.
Passados
20 anos da adoção de medidas que intensificaram o combate ao trabalho escravo,
o chefe da Divisão de Fiscalização para Erradicação do Trabalho Escravo, do
Ministério da Trabalho, Alexandre Lyra, disse à Agência Brasil que houve uma migração do ambiente
onde se pratica esse tipo de crime, das zonas rurais para as cidades.
“No
ano passado, por exemplo, fizemos resgate em navio de cruzeiro de 11
tripulantes submetidos a jornada exaustiva. Temos agora a construção civil que,
em 2013, foi o que mais apresentou resultado, temos o setor têxtil, em São
Paulo. Então, temos uma mudança no ambiente em que está ocorrendo esse trabalho,
mas a fiscalização, após 20 anos, está preparada para atuar”, explicou Lyra.
Para
ele, a aprovação da Emenda Constitucional
do Trabalho Escravo pelo Congresso foi
mais um avanço. Lyra, contudo, alertou para a importância da regulamentação da
emenda e para a possibilidade de mudança no atual conceito de trabalho análogo
à escravidão. Com a migração da prática do trabalho escravo do campo para as
cidades, caracterizar esse crime apenas pela restrição de liberdade, como
querem alguns setores no Congresso, em especial a bancada ruralista, seria um
“retrocesso”.
“O
que a bancada ruralista quer, agora com o apoio de outros setores, como o da
construção civil, é que o trabalho escravo fique tão somente caracterizado
quando houver a supressão de liberdade, que é uma ideia antiga, que perdurou
até 2003, quando houve uma inovação legislativa na qual foram ampliadas as
hipóteses de trabalho análogo ao de escravo no Código Penal”, alertou Lyra.
“Essa ideia de que trabalho escravo é apenas supressão de liberdade, vigilância
armada e impossibilidade de ir e vir não encontra mais respaldo nas
caracterizações atuais. Esvaziando do conceito do trabalho análogo ao escravo a
condição degradante e jornada exaustiva, pouco sobrará.”
Para
o procurador-geral do Trabalho, Luís Antônio Camargo, o país ainda deve
lamentar a existência do trabalho escravo, mas também reconhecer que houve
avanços na enfrentamento do problema. “Não podemos dizer que a situação está
resolvida, mas avançamos muito desde 1994, 1995. Hoje, estamos muito mais
organizados, muito mais articulados, mas ainda temos um caminho muito longo.
Temos que lamentar o fato de um país rico como o nosso ainda ter uma chaga
desse tamanho, que é o trabalho escravo contemporâneo, mas comemora-se [o
combate ao crime]."
Para
ele, a articulação entre os diversos órgãos públicos e organizações da
sociedade civil possibilitou ao país o reconhecimento e o respeito mundial no
que se refere ao combate a esse crime. A criação do grupo móvel de fiscalização
e o lançamento do plano de erradicação do trabalho escravo foram “fundamentais”
e “contribuem para um avanço significativo" no enfrentamento do problema.
Hoje
(28), Dia Nacional de Combate ao Trabalho Escravo, Lyra lembrou que qualquer
pessoa pode denunciar situações em que um trabalhador esteja submetido a
situações degradantes usando o Disque 100. “Esse é o meio mais democrático, mas
temos também a Comissão Pastoral da Terra, o Ministério Público do Trabalho ou
os próprios postos do Ministério do Trabalho nos estados, basta discar 100 que
um atendente especializado vai atender à denúncia.”
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